O tratamento dos abscessos e fístulas anorretais é eminentemente cirúrgico. Os antibióticos, em geral de pouca valia no tratamento das supurações anorretais, são de emprego obrigatório em pacientes portadores de doença valvular cardíaca e implantes protéticos e nos portadores de doenças que cursam com imunossupressão (diabetes e AIDS, por exemplo). Ocasionalmente, no entanto, os antibióticos podem ser de efeito benéfico em pacientes com supurações anais em fase inicial (celulítica), provocando a involução do processo.
Abscessos
O tratamento dos abscessos perianais e isquiorretais (os mais comumente encontrados na clínica) é feito pela drenagem ampla da lesão sob anestesia. A drenagem sob anestesia local deve ser evitada uma vez que não explora adequadamente a cavidade do abscesso e não descobre a existência de orifícios fistulosos internos, levando, comumente à recidiva do processo. A drenagem deve expor amplamente a cavidade do abscesso e todas as lojas secundárias devem ser abertas de forma a tornar a cavidade do abscesso única. Caso o cirurgião que proceder à drenagem não tiver experiência em Coloproctologia, deve parar por aí e encaminhar o paciente a um profissional habilitado. Caso possua experiência na especialidade, pode tentar explorar delicadamente a cavidade do abscesso com um estilete maleável, à procura de seu orifício interno, e terminar o tratamento da lesão pela fistulotomia. O tratamento de abscessos interesfinctéricos é feito pela drenagem interna dos mesmos para o canal anal por meio de uma esfincterectomia anal interna (uma fita muscular esfinctérica interna é retirada). É comum a recidiva quando tais abscessos são inadequadamente drenados. A drenagem de abscessos supralevantadores dependerá de sua extensão nos planos anorretais. Se houver extensão interesfinctérica, são tratados como os abscessos interesfinctéricos. Se a extensão for isquiorretal, são drenados para o períneo. Se o abscesso for totalmente pelvirretal, devido a uma doença supurativa intra-abdominal, poderá ser drenado para o reto ou para a vagina e um dreno tubular colocado em seu interior para auxiliar na irrigação da cavidade.
Fístulas
As fístulas interesfinctéricas baixas e as transesfinctéricas baixas são tratadas pela fistulotomia e curetagem do leito fistuloso. Neste procedimento, o teto de pele, tecido celular subcutâneo e musculatura esfinctérica que recobre o trajeto fistuloso é incisado ao longo deste, expondo-o, do orifício externo ao interno. A porção interna do trajeto, a que contém o componente criptoglandular, deve ser excisada e remetida para estudo histopatológico para afastar a presença de neoplasia maligna (adenocarcinoma mucinoso do epitélio glandular anal), que pode ser a causa da supuração anal (Figura 4). As fístulas interesfinctérias altas são tratadas pela esfincterectomia anal interna, sendo excisada a tira muscular do esfíncter interno que serve de teto para o trajeto fistuloso. As fístulas transesfinctéricas altas, que perfuram o esfíncter externo elevadamente no canal anal, não devem ser tratadas pela fistulotomia em um só tempo, como descrito acima. Quando restar menos de 1 cm de massa muscular esfinctérica acima do local proposto de secção esfinctérica, se a fistulotomia em um só tempo for empregada, o índice de incontinência esfinctérica pós-operatória será proibitivamente elevado. Nestes casos, deve-se proceder à fistulotomia apenas no trajeto fistuloso recoberto por pele e tecido celular subcutâneo. No local recoberto por musculatura esfinctérica e por mucosa, esta última é incisada, expondo a musculatura subjacente, o trajeto fistuloso é curetado, o orifício interno da fístula é excisado e o trajeto transesfinctérico destas fístulas altas é então reparado por um sedenho tubular (cateter) de polietileno nº 4. O cateter é colocado de forma a envolver a massa muscular esfinctérica (por baixo da qual cursa o trajeto fistuloso), e suas duas extremidades são unidas com um nó de fio de náilon. O sedenho irritará o leito da ferida, que cicatrizará em torno deste. A irritação causada pela presença do sedenho causará a formação acentuada de fibrose nos tecidos que envolvem o cateter. A fibrose assim formada comprometerá a massa muscular esfinctérica reparada pelo sedenho, fixando-a ao leito da ferida. Seis a oito semanas após o primeiro tempo desta fistulotomia com reparo esfinctérico, o segundo tempo da operação será realizado. Consta, esta reintervenção, da esfincterotomia da massa muscular reparada pelo sedenho, sendo, uma vez mais, o leito da ferida curetado e deixado aberto para cicatrizar por segunda intenção. Tal procedimento (o do emprego do sedenho) visa evitar que os cabos esfinctéricos seccionados afastem-se muito um do outro (caso fossem seccionados imediatamente numa fistulotomia em um só tempo) de forma a prevenir o desenvolvimento de incontinência anal. A fibrose provocada pela presença do sedenho fixa a musculatura reparada ao leito da ferida, de forma que, após a secção esfinctérica, o afastamento dos cabos esfinctéricos seccionados será mínimo. Fístulas supraesfinctéricas com extensão interesfinctérica e transesfinctérica são tratadas pela esfincterectomia interna como descrito acima, sutura do orifício fistuloso supralevantador e fistulectomia da porção do trajeto situada na fossa isquiorretal, sem secção do esfíncter externo. Podem também ser tratadas por mobilização de retalho de mucosa retal para ocluir o orifício fistuloso interno (técnica do avanço mucoso), sutura do orifício na musculatura levantadora e fistulectomia do trajeto no interior da fossa isquiorretal. Fístulas extraesfinctéricas são normalmente tratadas sob a proteção de uma colostomia proximal de derivação. Procede-se à fistulectomia do trajeto fistuloso e fechamento do orifício no reto por mobilização de retalho de mucosa retal (técnica do avanço mucoso). Fístulas em ferradura são tratadas pela fistulotomia de todos os trajetos encontrados, o que comumente redunda em feridas muito amplas que contornam o orifício anal posteriormente. A porção interesfinctérica ou transesfinctérica baixa do trajeto, que normalmente está ligada à região criptoglandular das 6 h, é seccionada no mesmo tempo cirúrgico, restando uma grande ferida que deverá lentamente cicatrizar por segunda intenção, levando de dois a quatro meses para selar-se completamente. Nos casos em que a porção transesfinctérica do trajeto perfurar o esfíncter externo a menos de um centímetro do anel anorretal, o músculo deverá ser reparado por um sedenho, como no tratamento da fístula transesfinctérica alta relatado acima. Pacientes portadores de supurações anais secundárias à doença de Cröhn, tuberculose e retocolite ulcerativa idiopática devem ser tratados cirurgicamente de forma conservadora. Abscessos são tratados apenas pela drenagem simples das lesões e as fístulas são tratadas apenas com cuidados higiênicos locais. A doença de base deve primeiramente sofrer abordagem terapêutica, pois é comum que as supurações perianais secundárias resolvam-se espontaneamente com o controle terapêutico destas doenças inflamatórias intestinais. Controlada a doença de base e persistindo a supuração anorretal, esta então deverá ser tratada segundo os moldes citados acima. Técnicas de conservação esfinctérica devem ser empregadas preferencialmente nas fístulas secundárias à doença de Cröhn, pois é comum que estes pacientes apresentem incontinência anal.
Cuidados Pós-Operatórios
As feridas anais amplas deixadas pelo tratamento cirúrgico das supurações anorretais devem ser copiosamente irrigadas com água corrente sob pressão várias vezes ao dia. Tal medida reveste-se de importância uma vez que, pelo interior das feridas, transitará matéria fecal, produto de evacuações intestinais ou de escape espontâneo devido à conformação dos ferimentos cirúrgicos, que funcionam como calha de drenagem para o conteúdo do reto. Muito embora a infecção superficial destas feridas seja a regra, não costuma haver comprometimento sistêmico do estado geral, nem tampouco disseminação da infecção. Exceção a ser mencionada é o tratamento de supurações anais em pacientes imunodeprimidos (diabéticos, aidéticos, pacientes em corticoterapia, etc...). Nestes casos, a ocorrência de fascite necrosante do períneo é uma eventualidade que não deve ser desprezada. Para evitá-la, tais pacientes devem ser submetidos a antibioticoterapia adjuvante de amplo espectro. Havendo sinais de fascite necrosante, os tecidos necrosados devem ser desbridados ampla e radicalmente, tantas vezes quantas sejam necessárias para conter o processo de destruição infecciosa dos tecidos. Vencida esta fase e iniciada a deposição de tecido de granulação sadio, o paciente livra-se do perigo de progressão da doença. Um estoma proximal para derivação do trânsito intestinal pode ser útil, mas não é imprescindível nestes casos. Mais importante que a derivação fecal é a limpeza constante da ferida com irrigações repetidas com água corrente sob pressão. A oxigenioterapia hiperbárica tem sido utilizada com êxito nestes casos, não como medida isolada, mas como adjuvante dos desbridamentos perineais. Os pacientes são orientados a observarem uma dieta rica em resíduos e a empregarem moderadores do trânsito intestinal (pó da semente do psyllium ou da isphagula) para defecarem de forma fisiológica. Analgésicos são administrados sob demanda. Banhos de assento mornos exercem um efeito mitigador sobre o desconforto anal proporcionado pela presença das feridas amplas.
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